domingo, 30 de dezembro de 2012

Barroco-Lúdico Enlameado

Abro a janela e vejo a chuva discutir
Com a tarde deste último domingo
Do ano. Há em cada respingo
Um suspiro que está entre o devir

E a vontade, que não extingo,
Vontade esta de ao menos sentir
Este ano que está para assumir
Seu descanso sem choramingo.

Pois bem, após tantas baixas,
Por que não te encaixas
Neste assombro molhado e aceita

Que o presente já se sente passado,
Que o mal-estar não foi levado
Pelas águas desta ditosa receita?

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Narrativa





Eu sou o Olvido, vim para alarmar a humanidade. Eu apareço depois de uma série de fracassos (que também podemos nomear como excessos). Eu sou o puro esquecimento daqueles que poderiam -de fato todos podem- mas não foram. Eu sou o plano que dá errado, o roubo malsucedido, a fera que devora seu adestrador, eu sou o admoestado que admoesta e dá a sentença final.

Eu não sou o Tempo, este implacável Cronos que devora tudo que cria; eu sou, talvez, alguma cria desgarrada de teu ventre e teus escrotos. Eu apenas sou. Aprendi o valor e a dor do esquecimento, aprendi sua necessidade vital. Com os antigos gregos aprendi a dialética do que foi, do que é, e do que poderia ser (do nada). Como disse anteriormente, eu apareço depois de uma longa jornada de fracassos excedidos, eu apareço para aqueles poucos que ultrapassam a tragédia cômica da autofagia. Consumir a si mesmo, consumir os próprios erros para continuar a sobreviver é apenas insistir. Eu apareço para apagar estes seres da existência neste planeta difuso e maravilhoso. Eu mostro que a vida é uma passagem só de ida e que, justamente por tal fato, viver é resistir e não insistir.

Certa vez, há muitos anos atrás, conheci um poeta. Não era dos maiores, não adormecia entre os cânones de sua língua, era apenas um poeta. Um triste e melancólico poeta. Apareci para este rapaz em uma noite quente de Dezembro, quando ele julgava ser necessário dar cabo de sua vida. Ele havia escrito alguns livros, tido pouco ou quase nenhum destaque no mundo das letras. Ele insistia. Eis o erro deste jovem fazedor de versos. A noite era quente, agitada, o jovem havia acabado de escrever um soneto, mais um soneto indecifrável, estranho, escrito e dedicado a ninguém, segundo o próprio. Eu, enquanto Olvido, sou o que está entre. Sou a sombra que assombra as sombras dos homens. Eu sou o esquecido, mas aquele que nunca esquece. Lembro-me perfeitamente dos versos daquele jovem incauto, ei-los:


A anacronia que prevalece
nos meandros destas sepulturas
qual chamamos de esculturas
pessoais, é o que tece
o silêncio enquanto resíduo
daquilo que atordoa
a fissura que ecoa
o tão proclamado indivíduo.
Do ruído cultivado lapso
a lapso, retiro intenções
fazendo algumas considerações
sobre o iminente colapso
que condeno neste verso
sem qualquer moralidade
escrito para a humanidade
adoecida de modo perverso.

O título destes versos era algo como "In Memoriam". Penso que o jovem poeta colocara este título para designar o soneto enquanto testamento. Eu aprecio esta capacidade humana de fazer testamentos; ainda em vida atribuir e distribuir os seus bens, os seus objetos de maior apreciação para outrem, assim que o canto da morte soar em seus ouvidos. Eu aprecio este movimento humano que infelizmente nos tempos atuais, degradados e brutalmente corrompidos, está cada vez mais escasso. Pois bem, estes versos dedicados a ninguém segundo o próprio criador tinham, na verdade, um apelo ao mundo todo. Uma vontade de ser olhado e mais -ainda- uma vontade de olhar o mundo de forma diferente.

O jovem e triste e melancólico e, de certa fora, infantil poeta estava no limiar; com uma navalha nas mãos olhava para o espelho buscando olhar o mundo, em um gesto último e fatal, estava pronto para degolar-se, foi quando fiz minha aparição e indaguei-o.

- Jovem poeta, o que queres com isso? Disse a ele.
- Quero ser reconhecido. Ele me respondera
- Queres ser reconhecido através da morte induzida? O que é reconhecimento para ti?
- Só a morte liberta das agruras da vida, do esquecimento das pessoas, da dor de viver. O sangue é o tributo que pago aos deuses obscuros para levarem a minha alma. Quem sabe assim as minhas palavras entram nas carnes da eternidade e reconheçam o meu valor. Aliás, quem é você?
- Eu sou o Olvido. O que está entre. O que vai além do esquecimento. Apareci a ti, poeta, para primeiro avisar-te e depois levar-te aos confins da nulidade.
- Avisar-me?
- Exatamente. Avisar-te que a morte é pior que o esquecimento. A morte gloriosa, honrosa, a morte soberba, ao fim de uma vida é consoladora, apaziguadora, é o verdadeiro nirvana dos orientais. Entretanto a morte induzida, a morte precoce, a autodegolação é apenas azedume. É apenas um evento cotidiano e, na verdade, me ajuda muito a coletar mais uma alma fracassada. Você não é ninguém, não será ninguém. Teseu foi ninguém e tornou-se alguém. Tu te lembras da história de Teseu?
- Mas é claro, velhote! Um dos grandes heróis da antiguidade. Quisera eu ser como Teseu e não mais um plebeu rebaixado, atirado nas esquinas da existência, esperando -sempre- pelo pior. Afogado em minha própria inanição sentimental.
- Saibas jovem, que esta é uma decisão tua e apenas tua. É tua responsabilidade. Cada emoção, fracasso, gozo, baixeza, cada artifício do Destino, ao final de tudo, é sempre responsabilidade tua. Saibas disso. Mas, enfim, chega de falatório. Estas pronto para tornar-te finalmente Ninguém?
- Eu já sou ninguém. Meu nome é ******************, mas me reconheço apenas como ninguém. Estava para acabar com este sofrimento quando você apareceu, fantasma maldito!
- O mundo não terá dó de ti, poeta. Dar cabo de tua vida não trará glórias, apenas o pior dos esquecimentos. Mas, neste teu engano, posso te auxiliar, pegue em minha mão e te levo deste mundo, não será mais Alguém, nenhuma pessoa neste ou em todos os outros mundos lembrara-se de ti. Será apenas poeira. Será apenas quase. Será o não-ser que tanto queres e não percebes.
- Não acredito em você. Todavia, dê-me a sua mão e vamos embora deste lugar. Eu não aguento mais.

E com estas palavras o poeta deixou de existir. A única coisa que sobrou (por descuido meu, ou por, em meu íntimo, acreditar na poesia deste jovem que era para ter sido e não foi) fora o soneto que expus há pouco. Talvez eu acredite que a humanidade adoeceu há muito tempo e que homem é uma longa série de anacronias bem sucedidas. Talvez.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Piedade Necrológica


Eu tenho uma tristeza que desloca
a rima, o limbo, a brisa
deste evento que falta.

Eu tenho um fora-de-lugar
em mim que fala, tal como
a fera à ferida, esta descida

aos infernos pessoais. Um
ato cotidiano levado a termo
pelas palavras, pelo silêncio
destas rubras notas carnais

que, inseridas na eternidade
dos meus acasos deflagram
a pusilanimidade deste pronome
que sou. Desta tristeza que ecoou.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Poema de Tarde Chuvosa


Todo poema é um palimpsesto
Deste mundo mal acabado
Onde tomamos por revogado
O indecifrável gesto funesto

De ser significação pura;
Um poema risca o mundo
Arriscando tudo a cada segundo
Reeditando a própria procura

Pelos contrários que contraem
A contrariedade e abstraem
O mórbido prazer mundano

De buscar sempre o total
Do sentido turvo e decimal.
Infelizmente viver causa dano.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Confusão


A catástrofe de outrora
permite o erro
que não é desespero
ao menos por ora

não há antagonismo
entre a destruição
e esta percepção
que se chama abismo;

a queda liberta
do nó que aperta
este não-saber

que conduzo aflito
por dentro do infinito
vazio que é ser.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Morte Dominical

"Sólo perduran en el tiempo las cosas
Que no fueron del tiempo."          
                             Jorge Luis Borges

Trinta dias após
O feriado de finados,
Findo, entre os desgarrados,
Esta inocência algoz,
Dedicada aos resignados,
Um gesto turvo e atroz,
Estamos -finalmente- a sós:
Eu e os esfumaçados
Versos que encenam mortes,
Por entre estes cortes
Encaixo o meu sofrimento.
Não há lira premonitória
Que me afaste da escória,
Eu desejo este banimento.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Algumas Vozes Altas


"Nem só você, poeta, se ressente
da mesquinhez dos demiurgos todos.
Também os deuses escrevem por linhas tortas."
                                  Paulo Henriques Britto


Escute poeta, este é
o som da miséria,
que existe desde a Suméria,
creditá-la é questão de fé,

já que ela assola
tantos equívocos humanos,
tornando possíveis tantos danos,
abraça a tua e consola

os espectros desta terra,
a tua missão não encerra
a maldição do esquecimento.

Saibas poeta, do preço,
este abraço que ofereço
é uma forma de acolhimento.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O Suplício

"Axioma Mágico:
No círculo de sua ação, todo verbo cria o que afirma.
Consequência Direta:
Aquele que afirma o diabo, cria ou faz o diabo."
                                                    Eliphas Levi

 A semelhança entre o silêncio
e a dor é concedida pelo sibilo
das frestas da noite em sigilo
que aturdida, conjura Inocêncio
oitavo, o maldito defenestrador,
que, com sua bula, transformou
a negrura em clausura e consagrou
mortes tantas, com seu incinerador,
ao Deus cristão, este mal entendido,
ocidentalmente frágil e rendido
pelo Verbo que simplesmente é
criatura e ação desde o início,
isso não basta para o armistício
entre o Submundo e Javé.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Quando O Mundo Não Basta

Hoje senti a distância
Tão perto que chorei
Lástimas de um frei,
Sem deus nem infância,

Confesso que orei,
Com toda discrepância,
Para alguma concordância
Que jamais terei,

Simplesmente me basta
Ser a veia gasta
Deste túmulo etéreo;

Vou além do enlace,
-Do logro face a face-
Perdido neste mistério.




quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Consternação

Eu desato os nós
da minha tortura,
após tanta procura
estamos a sós;

eu e a loucura,
esta dádiva atroz,
que aquém ou após
ata-me a negrura

de suas fugas,
são estas rugas
que tento evitar,

todavia, a falha
perfura e avacalha,
a prioridade é açoitar.



segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Primeiras Impressões

"Agora nem sequer sabemos se o que nos rodeia é um labirinto, um secreto cosmos, ou um caos do acaso."
   Jorge Luis Borges

Eu amanheço em corrosão
Defronte os espasmos do impasse,
É esta polidez sem classe
Que descrevo em digressão

Tentando enganar o enlace
Do tempo em convulsão,
Eis a sina da alucinação,
Sempre conflituosa. Ah, se

Eu pudesse ser teoria,
Se pudesse, certamente saberia
Que tristeza é o outro nome

Da ternura. Na verdade,
Minha elegia é a vaidade
Daquilo que me consome.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Metáfora Eterna

A sombra que encobre
este meu vazio diário
orientaliza o(s) mortuário(s)
daquilo que me descobre

eu sigo interpelado nesta
pobreza espiritual repetida,
a melodia faz da ferida
poesia que não presta.

A realidade é -sempre- incapaz
de ser apenas eficaz
em afastar tanta dor...

mas, sabe, eu preciso
deste vazio indeciso
para ter algum interlocutor.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Culpa (?)

A sentença de ser
é aquilo que clama
pelo erro, pela lama
que cobre este anoitecer

e eu anoiteço. Assim
tal como o hemisfério
dos mitos sem mistério,
eu. Distância. Mim.

Do mundo sem consignação
ao vazio que diz não,
eu violento minhas metáforas,

o preço da escolha
vai além desta folha,
é escrito em anáforas.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Blues de Segunda

A angústia, de certa forma, consola,
-Este é o meu paradoxo diário;
O descaso já não é páreo
Para a verdade que nos assola,

O meu caminho possui dois lados
E ambos deságuam na secura
De uma existência fria e escura,
Eu repito os anseios dedicados

À derrota, esta delicada maldição,
Que segue despindo a minha reação
Enquanto a dualidade me consome.

São tantos os pronomes ressecados
Nesta epígrafe para os não-sepultados
Que nossa dor já possui renome.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Pária

Logrei-me nos açudes da alma
na tentativa de algum vínculo
com este desastre oblíquo
que diz não e bate palma,
são tantas vozes tortas,
são tantas presenças desgarradas,
eu assombro as rebuscadas
condutas destes jovens idiotas
com minha deslocada estranheza,
pois não sento à mesa
com estas falsas hipérboles.
Logrei, na alma, os açudes
da distância destas formas rudes...
prefiro a verdade das necrópoles.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Miséria Humana

Um rosto tragado pelo olvido.
O gesto desordenado na carcaça.

Eu escrevo sobre o que não passa:
O vazio que não pode ser preenchido.

O silêncio. As carnes. A escassa
Sensatez daquilo que foi perdido,

O grito nasce surdo e aturdido,
Pois o céu esqueceu que fracassa

Ao lograr a mortandade disforme.
A dor de existir, aqui, é enorme

E eu insisto apenas pela dor.

O olvido tragado por um rosto,
Um rasgo finado para o exposto;

Eu falho em ser o restaurador.

sábado, 22 de setembro de 2012

Um Passeio Fora da Alcova

Estar no inferno, às vezes, cansa,
Pois o gosto do abismo não ameniza
Tal estadia, afogada e indecisa,
(...) Eu sigo só nesta andança,

E a solidão, que não eterniza,
Não me convida mais à dança,
Esta é a verdadeira mudança
Que meu horror sofreu a guisa

De tantos, e tantos dissabores,
Na vida não há apenas dores,
Eis, pois, o ditame que complica

O comício da tragédia humana,
Na realidade, ela é quem engana,
Pois é a miséria que nos implica.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Graduação


"Digo que sou um homem, mas quem é o outro que se oculta em mim?"
                                                                                 Arthur Machen

O outro que é o igual
E habita as minhas grutas,
Com suas normas astutas
Torna o perder-se habitual,

As deformidades são brutas
E atestam o apelo factual,
Nesta [minha] condição monaural
Sou uno em mil lutas

Contra o inimigo que existe
Apenas em minha triste
Estrada rouca e claudicante.

O igual já não é similar,
Faz do pêndulo o pesar,
Transforma-me em mero praticante.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O Labirinto Taciturno

O universo cabe todo
na palavra universo,
talvez não neste verso
que é apenas lodo,
puro fragmento, erro caolho,
nota aguda e dolorida,
da sintaxe à ferida
é apenas o restolho.
Pois, então, haveria,
além de toda cadaveria,
universo para a palavra?
Nos meus portões tristonhos
pinto os piores sonhos,
sou aquele que escalavra.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Uma Canção Para Erebus

Eu celebro o equinócio
do meu sorriso refugado,
através deste estragado
cântico sem negócio,

Erebus e a interpelação
em meu destino distante,
irreconhecível escrita errante
escurecida e sem extrema-unção,

do corolário vencido
ao hábito já distorcido,
a porfia não acalma;

há, em mim, este vazio,
[sólido, cortante e senil]
que enceno enquanto trauma.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Nada De Novo

A agressividade da noite
permeia, pois, o meu ser,
da tarefa de entristecer
à escrita sem açoite,

ainda sou o mesmo
que procura o desterro
da amargura, do enterro,
da alma sempre a esmo.

O vazio deste quarto
é pior que um parto
sem mãe nem fidalgo,

a melodia não diz
o que -talvez- sempre quis:
simplesmente falta-me algo.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Mortalis

"Much Madness is divinest Sense"
        Emily Dickinson

A solidão que corta,
liberta grilhões enfermos,
entre outros tantos termos,
faz limite e exorta

as vozes que silencio
dentro desta câmara escura
que sou; torna pura
dores tantas que prenuncio.

Assim abandono meu esconderijo
a cada ausência que erijo
destronando a calamidade,

a idiossincrasia conduz
as minhas feridas sem pus,
a minha própria insanidade.



terça-feira, 14 de agosto de 2012

Hybris


A vingança de Nêmesis
atesta a já habitual
tragédia pura e individual
que repito em meu Gênesis

aviltando o verbo decadente
do Tempo. Eis o enredo
que deflagra o segredo
daquele que não sente

o heroísmo titânico ruir.
Ser mortal já basta
pois a miséria é casta
aqui, onde tentamos existir.

Da caveira à convulsão
sou sectário da agrura
nesta insídia sem cura
busco minha própria omissão.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Beyond Insomnia

As catacumbas glaciais
deste peito flagelado
denunciam o malogrado
gesto dos espectrais
escombros do passado
que são diferenciais
para os editais
do não anunciado.
A verdade sussurra
ensangüentada e urra
obliquidades de fera;
assim este dia
nasce sem melodia...
A angústia prepondera.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Vas Insigne Electionis

"Uma ação não pode provir de um simples corpo."
               Henrique Cornélio Agrippa, o erudito

O resto, que já não é mais
resto, diz sobre o torpor,
Diana é a noite e o dissabor,
a Vontade acima dos animais,

o dragão verte-se com o veneno
próprio, a transmutação é evidente,
abaixo há o acima sorridente,
este é o espectro pleno

da morte que é vida,
o gesto putrefato é caminho
para a cova do mesquinho
arco que veste a saída

celestial do grande Trismegisto.
Assim segue a seguida flauta,
que canta a vitória, a incauta.
Aqui rasgo meu contrato com Mefisto.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Condições

Tal como Atlas cansado
e de braços roucos,
este sou eu aos poucos
deixando o mundo de lado,

não há mais tristeza,
não há, ao menos, ódio
nesta antítese sem episódio
sou apenas vazio e crueza.

As catacumbas seguem alterando
a beleza das encostas orientais,
eis o preço que Ptolemais
pagou por seguir sonhando.

A indulgência propala o asco
pelos sibilos da noite detestável,
busco abrigo na inalcançável
insignificância sem carrasco.



sexta-feira, 13 de julho de 2012

Três Vezes Menos

Eu estive em vários lugares,
mas nunca estive em mim,
a ausência é ausente assim,
tal como as sístoles ventriculares

ressecadas nesse meu ínterim.
Eu vou além dos meros pares,
escrevo sobre todos os azares
dilatando o azedume sem fim

da sordidez dos meus tombos,
eis o atestado para os rombos
deste vagar errante de Vrykolaka.

Do morto-vivo grego ao enredo,
vejo, não vejo e emparedo
a negação que não aplaca.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Retalho Fugaz

Eu invoco a injúria permissiva
-nesta noite turva e deliberante-
do excesso, aqui, neste instante,
pois a catástrofe é decisiva

e desfaz o estanque do detrito.
Entre a escória e a perdição,
esta é, novamente, a missão:
lograr o inominável em atrito

com a névoa que novamente ecoa
o meu nome naquela lagoa,
onde jazem tantos desejos afogados;

eu sigo remando as minhas dores,
para além dos meros abominadores,
eu continuo provocando olhares enojados.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Corte Lutíssono

Aventurei-me nesta manhã despedaçada
Entre parênteses existenciais,
Provando os goles sepulcrais
Do fracasso sem coordenada,

Estes cortes são originais
E salgam a minha enseada,
Da predição desenfreada
Às ficções longitudinais,

Eis o horror que completa
O vexame dedicado ao poeta
Que aberraciona as suas Musas;

"Necrofagia, velha amiga,
Venha, por favor, me siga
Até estas escoriações inconclusas".

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Necessário

"há alguma coisa errada comigo
 além da
 melancolia"
        Charles Bukowski


Eu assisto a degradação
do meu intento equivocado,
deslocando o depravado
gesto desta alucinação
a que fui resignado
para a pura enunciação
dos limites em ascensão
neste refúgio protelado.
Eu cedi... enfim
ao enterro em marfim
de toda cristandade,
cravando o certeiro
gesto nu e parteiro
da tentativa na possibilidade.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

The F(r)ognest

O fulgor batráquio
desta noite interpelante
faz
da minha índole
quimera ressecada.
Esta é a voz
rudimentar
dos Ancestrais
-esquecidos, porém temidos-
que arranha a virtude
em goles roucos
de pouca tacitude.
A deformidade entoa
[assemelhando-se a um antigo cântico enoch]
o segredo
das coisas.
A vida não é
mais que uma
alcova
mais que uma
sepultura.
A espera matinal
pelos ceifadores
do intento
é glacial e
apaga-me
sem escolha
sem escolha
sem escolha
  
(...)

eu repito para existir.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Retratos Confidenciais

O câncer espiritual que adorna
a intragável existência remediada
-para além da carne inapropriada-
dita a simetria que estorna

o rasgo discursivo-confidencial
do sentido, em furo, deste enigma,
quando a ilusão é benigna
e perpassa a destruição pessoal,

o sadismo da minha lápide
enterra o asco da moralidade
e recai, novamente, sobre a liturgia;

o incenso, a mirra, o velório,
a escrita em ato compulsório
coadunando morte e elegia.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Sombra Estilhaçada

A sinédoque da minha ânsia
Converge com a frieza escura
Do assombro e da procura,
Figurando entre a discrepância

E o horror desta escultura.
O estrago produz distância,
Tal como a cicatriz da infância,
Que é trauma e é estrutura,

Quando a penumbra é constitutiva,
A obliqüidade é que é furtiva
Neste inferno de mim mesmo,

A simetria é quimera plena,
Atesta o vazio que concatena
Com minh'alma deixada a esmo.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Exervício

A plenitude do fim
cravada no marfim
da existência aviltada
conduz a crença
da minha doença
descabida e degenerada:

do pessimismo funéreo
ao vazio etéreo
será que existo?
esta forma ambígua
que substitui a míngua
é onde insisto.

A busca impossível
do aquém-verossímil
torna-se insignificante
quando o desalento
forja o intento
outonando o instante

a maldição excedida
é a filia concedida
do medo flagelado.
Eis minha epopeia
predicada sem estreia
digna de um condenado.

domingo, 27 de maio de 2012

O Lamurio da Esperança

"Devem estar ainda em algum lugar as pobres coisas"
Konstantinos Kaváfis. O Sol da Tarde

Eu trago o passado em sufusão
Tentando existir des-integrado,
Porém, novamente sou tragado
Pela bestialidade desta invenção,

A endocardite e seu intento
Atestando o asco espectral,
Todo suspense é residual;
Eis a macropia do lamento.

Entre a tormenta e o túmulo,
A indiferença atesta o acúmulo
De tantas sombras nesta alcova,

Em tudo o que foi prometido,
Certamente poderíamos ter sido,
Contudo, a rachadura se renova.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

O Sufíbulo da Alma

"(...) and with a pain
No hell shall make me fear again"
        Edgar Allan Poe

A dor do regresso
é o pior dos tormentos
que encontro nos momentos
da espera em recesso,

quando a anemia dialoga
com o pretenso fracasso,
o cenário é esparso
e vai além da sinagoga,

não há exorcismo para mim,
não sou -mais- réu primário
da catástrofe ao obituário
o meu fim é sempre assim,

nunca aposte sua cabeça
com o diabo, dizia
o apostador em primazia
espero que não aconteça

a colheita das almas errantes,
[esta foi a minha aposta]
aquém da vertigem exposta
encontram-se as vozes torturantes

deste inferno metafísico. Entretanto
o vazio ainda prospera
lá onde o isolamento dilacera
qualquer possibilidade de espanto.

domingo, 20 de maio de 2012

Insustentável

"A nostalgia pior é a do instante presente"
Paulo Henriques Britto


A ilusão e o bem estar
são artífices da mesma história,
designam a própria escória
que Merodaque se pôs a cortejar,

eu espero, sem nenhuma glória,
e esperar, você sabe, é sangrar,
não há nada mais familiar
que esta monstruosidade simplória

e sem aspiração, do aborto
da autonomia ao verso torto
a saída segue esquecida

por entre diásporas e saques,
-vernáculos despidos de seus fraques-
a razão é a minha ferida.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Quarto 606







"Negotium perambulans in tenebris..."
 Salmos 91:6

Tal como um ritual mesopotâmico
de adoração a seres esquecidos,
encontro-me entre os fenecidos
perante este velório oceânico

onde, do preâmbulo ao bálsamo
o fascínio molesta a consignação,
Alhazred aquém da calefação
designa o constructo de sésamo

deste poeta em vias de derrota,
pois cada palavra não exorta
o arrefecido gesto mortuário:

ceder ao negrume que corta
o mesmo endereço, a mesma porta,
a mesma existência sem latrinário.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

O Espelho

A exumação que não acontece.
O vazio que não se preenche.
Está é a prisão sem feixe
Que minha inaptidão apetece,

Pois, sou a alcova da noite,
Sem melodia e sem afeto,
Estou nulo em mim, decerto
Servirei perfeitamente ao açoite;

Que minhas carnes sejam ingeridas,
Que sobrem apenas as feridas,
Tal como um relicário de fracassos.

Eu coaduno o vazio presencial,
Sem liturgia, sem Belial,
Eu. Apenas eu e meus percalços.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Chagas Amortecidas (?)

"Escreva bêbado, edite sóbrio"
         Ernest Hemingway


Eu sei em qual lado estou.
Neste em que se silencia
Os castelos da apatia
Deste anverso que restou,

Aqui figura a hemopatia
Da muralha que desmoronou,
Esta antinonimia não vigorou
Na estranheza da acrasia...

Aquela mesma de outrora,
Que reina e, pior, que vigora
Na síntese plena da negação,

Eu compactuo a tua sobra,
O mesmo vértice da aurora,
A cura sempre em distorção.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Masoquismo Diário

A insuficiência matinal alojou
mais esta mágoa insipiente
na já insuficiente
conjugação do que não sou,
eis o detrimento reticente
que Salomão amaldiçoou,
sua dualidade o sentenciou
ao ditame do eternamente,
esta onipresença enaltece
o velório que não acontece,
do intento à cadaveria...
a liturgia da deterioração
aqui, é a plena consignação
do que Masoch gostaria.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

A Simetria do Silêncio

Eu sibilo a plásmase ineficaz
Perante a plenitude da escuridão,
Promulgando a falha e a imprecisão
Desta existência disfórica e sem paz,

Das antíteses secas e cadavéricas
Ao compasso da foice ceifadora,
Eu mumifico a Diferença aterradora
Dialogando com as mazelas esféricas

Daquilo que repito em meu ossuário.
Eu faço do fracasso, poesia,
Sangrando por tudo o que seria,
Por todas as dores sem prontuário,

O preço da solitude é confuso,
Oblitera o verbo e o pronome,
Conduzindo à mesma posição disforme
Do pária. Do assassino. Do sem uso.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Holometabolismo da Dor

Holometabolismo da Dor

"E é porque eu sou assim que o mundo me repele,
E é por isso também que eu nada quero dele!"
Olavo Bilac

O festim leucêmico
deste invólucro carnal
consente o apelo fantasmal
do açoite endêmico,

Caim e a inanição
aviltante do abismo,
da tarde, do monismo
sacrílego em gestação;

entre o sacrifício
e o luto, o ofício:
velar a não-convivência.

o detrimento atesta,
aqui não há fresta,
sou a própria demência.

terça-feira, 27 de março de 2012

Da Melancolia Em Homeoptoto

A esfinge do passado é sepulcral,
Sangra, em valas abertas, todo mistério,
Repetindo nesta escrita-necrotério
O apêndice para a catástrofe bestial,

Da trepanação egípcia ao diagnóstico,
[Imhotep e a compilação da Doença],
Eu mumifico o coágulo da propensa
Insanidade delegada ao credo carótico.

Eis, então, o impasse em antimônio,
Atrelado à hologênese existencial,
Sou exaurido, lentamente, pelo especial
Gesto auriculado do mesmo demônio

Presente na profecia dos últimos dias.
Essencialmente, propago a metástase
Da repulsa sempre em análise...
Eu sigo só em minhas alegorias.

quinta-feira, 22 de março de 2012

O Pacto

Imolando o cordeiro da criação
Através das hordas de Balaam,
Eu sigo as tentações que abalam
O conflito etéreo com a escuridão,

Da eternidade insalubre e exilada
Ao ditame imposto pela liturgia,
A transfiguração torna-se aporia
E o vazio razão regurgitada,

Quando o sorriso é enfermo,
O pesar é levado a termo,
Não há lápide para minha apraxia,

Sigo, assim, existindo entremedos,
Negociando o adiamento dos enredos,
Entre o(s) demônio(s) e a profilaxia.

terça-feira, 13 de março de 2012

Clavícula Estendida

A apatia sem fulcro
aplaca a escara
apática que escancara
o vértice do sepulcro

neste ínterim [des]integrado
onde desmancho meus dias
tramando contra as afasias
do vazio em predicado

eu estive perto daquilo
que não pude estar, decerto
estive apenas à estiva

do que elegi intranquilo
pois me julguei liberto
de minha sina abortiva.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Oximoro

Eu sou a matéria-prima para a morbidez
insípida do Golem de Judah Levi,
eu sou aquilo que não vivi,
o anseio repartido em três;
a carne; o encanto; o julgamento;
a própria existência incólume e equivocada,
o homúnculo oblíquo de fé apartada
que apenas propaga o vértice do tormento
exponencial deste horizonte finito.
Eu consumo tudo o que sinto
degradando os meandros da Criação,
aviltada criação do Grande Rabino,
que tentou ser deus e foi solferino
materializando parábolas para a extinção.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

O Devir?

A arca dos meus sonhos
É feita de ossos,
Além de todos os esforços
Restam-me os gestos tristonhos

Da dor, Vertiginosa e escarlate.
Tal como o mármore exposto
Do esquecimento e do desgosto,
Sigo buscando algo que mate

A morte precoce desta tarde.
Da luz que faz alarde
Ao crepúsculo sem receptáculo

O impasse prossegue sua passeata,
Daqui até a inimiga, a eleata;
E eu? Permaneço [sozinho] neste cenáculo.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Um Pouco de Dor Em Versos Livres

"Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente."
Vinicius de Moraes


Não quero me limitar
a ser o que sou
-resto de alguém que não fui-
fluindo onde não estou

porque não ser entre ausências
é apenas insalubridade existencial,
quando o balaústre é confidencial
eu me enforco com as veias
[desta cidade rude

Assim perco a condolência
um pouco de indolência
Pois sou inocente
em minha indecência...

eu sigo o hiato dos meus passos
circunferencialmente apago
o trato que é fato, pois
não há mais volta.

Não há mais volta
não há mais... em volta
não há mais
não há
não
(...)

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Fuga de Ítaca

"...não há navio para ti, não há caminho.
Assim como destruíste tua vida aqui
neste pequeno recanto, em toda a terra arruinaste-a."
Konstantinos Kaváfis


Pois da fuga arranquei a solitude
Nula e desfigurada do agora,
A ausência fantasmática corrobora
Com o abismo abarcado pela quietude,

O patíbulo que enforca minha virtude
Contribui para a degradação que revigora
A deplorável condição que nos explora
Feito feitiçaria. Eis a similitude

Entre minha tragédia e esta nau,
Mil léguas além da vida e o mal
Que atordoa a eternidade de um instante,

Estou preso na insuficiência pessoal
Dos erros praticados -aqui- em especial,
Nesta noite ímpia e interpelante.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Daquilo Que Se Repetirá

Procurei em mais de um grimório
O sentido da minha dor,
E a cada novo torpor
Concatenei com o desprezível e o ilusório,

Do verbo trêmulo ao tormento
Recitei a pior das conjurações,
Repetindo na carne as maldições
Que tornaram Cipriano o ornamento

O belo ornamento de Satanás,
Fiel depositário das dores do mundo,
Que das sombras abissais é oriundo
E que nestas sombras [mesmas] se perfaz.

Assim afogo o intento angelical
Com cânfora, sangue e verdades,
Estas são as minhas vaidades,
O meu gesto último e fatal.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Outsider

A minha batalha não convence
Tal como o riso de Demócrito,
Este mundo já não me pertence,
Sou a ineficácia sem óbito,

Não sofro. Pois sofrer é pertencer,
E em minha álgebra não há tangência,
A obliqüidade é a providência
Para a marginalidade de entristecer

Perante a estética do fragmento,
Seremos, então, o logro do sofrimento,
A bile negra da melancolia?

Não. Sob o átrio da maldade,
Arde, em vão, apenas a verdade
Estancada em instantes de embolia.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A Dor E O Desvio

"This thought is as a death, which cannot choose
But weep to have that which it fears to lose."
William Shakespeare

O poente está se expondo
Entre sepulcros e maravilhas,
São as mesmas fantasmagorias
Apontando para o crime hediondo
Do silêncio impresso em mármore.
A frialdade, que não designa,
Assimila o corte e persigna,
Esperando que o erro aprimore
E transforme a distância em saída,
Pois a razão, já esvaída,
Esqueceu as vias da coagulação.
Este é o hemisfério atordoante
Que substituo a cada instante
Marulhando minhas perdas em convocação.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Canção Para A Síndrome de Damastes

"A vida é noite: o sol tem véu de sangue:
Tateia a sombra a geração descrida...
Acorda-te, mortal! é no sepulcro
Que a larva humana se desperta à vida!"
Álvares de Azevedo

Das muitas mortes que tive,
Em nenhuma me detive,
Oh! Torpor juvenil a instigar
Volúpias e desejos tortos,
Um cotejo de olhos mortos
À beleza licantrópica do luar!

Corrompidamente exaurido, eu sigo
Um caminho solapado, sem abrigo,
Aproximando as sombras sem umbral
A toda misantropia promulgada,
A toda catacumba exasperada,
Adormecida em meu absurdo cerebral.

Roto, o sorriso já mitigado
É absorto por estar motejado,
Eis o hiato e seu papel,
Que faz do lupanar nostalgia,
Pois me desfaço em nevralgia
Poética, do pesadelo ao tropel,

Versificado tropel selvagem,
Serei eu a sua criadagem,
Imersa em paralelismos conjecturais?
Da pergunta hirta que revoga
Ao velho medo que afoga,
Continuam as mesmas dores imorais...

sábado, 7 de janeiro de 2012

Fuga Para Órion

Do resto que nunca esteve
Ao pudor das catástrofes pessoais,
Sombras são apóstrofes cardiais
Para a insatisfação que manteve

O hiato em meu solar.
A afasia faz do recesso
Epístola para o excesso
Desta forma lúgubre e vermicular

Que alimento com meus dias,
Destronados dias-placenta,
Aqui a vontade não assenta;
Abaixo o espetáculo das covardias.

O fim é, para o espectro,
Apenas convenções sem mistérios,
Quando desfaço dos hemisférios
Desta vida sentida sem cronômetro.